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O doente com bexiga hiperativa (BH), condição que se pode manifestar através da incontinência urinária (IU), vive com medo constante de ter perdas de urina, mais ainda, que estas sejam notadas pelos outros, receia que quem o rodeia note o problema. Este medo e pudor leva muitas vezes o doente a evitar sair de casa ou realizar atividades simples do dia a dia, com receio que estas possam provocar perdas. 

Apesar de frequente, a BH é um problema de saúde ainda muito envolto em vergonha e desconhecimento. Embora não seja uma doença fisicamente incapacitante ou fatal, tem impacto na qualidade de vida dos doentes, podendo levar ao isolamento e a estados depressivos. 

Este artigo esclarece nove ideias chave relativas à BH e à IU, com a ajuda de dois especialistas com um conhecimento profundo sobre o tema:

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Paulo Temido, médico urologista no Serviço de Urologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e presidente da Associação Portuguesa de Neurourologia e Uroginecologia (APNUG);

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e Miguel Ramos, médico urologista, responsável pela Unidade de Cirurgia Renal e Transplante do Serviço de Urologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e vice-presidente da Associação Portuguesa de Urologia (APU).

1. A bexiga hiperativa afeta tanto mulheres como homens

Em Portugal estima-se que cerca de 1 milhão e 700 mil pessoas com mais de 40 anos de idade possam sofrer da síndrome de BH 1. A prevalência aumenta significativamente com a idade, particularmente a partir dos 40 anos, afetando tanto homens como mulheres. 
Se, por um lado, as mulheres são muito mais afetadas em idades mais precoces – mais frequente em mulheres do que em homens com menos de 60 anos –, por outro, acima dos 75 anos, o número de homens afetados aumenta exponencialmente.


2. A incontinência urinária pode ser sinal de bexiga hiperativa

A BH consiste numa contração ou espasmo involuntário e repentino do músculo da parede da bexiga, mesmo quando esta contém um volume reduzido de urina. Conforme referido por Paulo Temido, fazem parte do quadro sintomatológico da BH definido pela International Continence Society (ICS) a necessidade urgente e frequente de urinar (mais de oito vezes por dia), com ou sem incontinência urinária (perda involuntária de urina) e a noctúria (acordar uma ou mais vezes durante a noite para urinar). 

Referido como “elemento chave da BH”, a urgência “define-se como o desejo súbito de urinar, difícil de adiar”, esclarece o presidente da APNUG explicando que “quando um episódio de urgência não é controlado pode resultar em urge-incontinência, habitualmente com perda significativa de urina”. 

Neste contexto, importa ainda perceber que as perdas de urina podem ser de dois tipos: incontinência de urgência, provocada pela contração do músculo da bexiga e associada normalmente a uma vontade súbita de urinar; e incontinência de esforço, associada à realização de determinados esforços, movimentos ou atividades físicas, tais como rir, tossir, espirrar e levantar pesos.2


3. A bexiga hiperativa pode ter causas neurológicas

A BH consiste num “distúrbio neuromuscular, no qual o músculo da bexiga se contrai inapropriadamente enquanto esta se enche o que pode levar a perdas de urina nos momentos menos apropriados”, elucida Paulo Temido.

Outros fatores podem desencadear a BH, nomeadamente alterações comportamentais ou hábitos (como chegar a casa ou pôr a chave na porta), reação a estímulos auditivos (por exemplo água a correr), reação ao frio, consumo de comidas picantes ou bebidas alcoólicas, gaseificadas ou com cafeína, indica Paulo Temido.


4. A bexiga hiperativa tem impacto na qualidade de vida do doente

Apesar de não ser uma doença fisicamente incapacitante, dolorosa ou fatal, a BH pode afetar significativamente a qualidade de vida dos doentes a vários níveis, já que interfere com as atividades do dia a dia. O doente fica inseguro, limita as suas deslocações, evita contactos sociais e receia não encontrar a tempo uma casa de banho quando está fora de casa. Em alguns casos a BH, pode mesmo levar ao isolamento e à depressão.

A este propósito, o presidente da APNUG refere que se trata de uma síndrome “que afeta diversos domínios da vida dos doentes, leva à perda da sua qualidade de vida e altera de forma muito vincada as suas rotinas pessoais, sociais e profissionais”.

Para o urologista Miguel Ramos, a incontinência urinária, sobretudo a de urgência, origina insegurança, diminuição de autoestima e depressão tanto nos homens e como nas mulheres. O especialista acredita que “à semelhança do que é referido em alguns estudos, é minha impressão que estes efeitos do foro psicológico são mais severos no homem do que na mulher”.


5. Vergonha e falta de informação podem atrasar o diagnóstico

A ideia equivocada de que a BH é “uma consequência natural do envelhecimento” ou “um problema normal de certa idade” está muitas vezes relacionada com a falta de informação por parte dos doentes, sendo uma das principais causas para a desvalorização dos sintomas da BH e atraso do diagnóstico. 
Simultaneamente, o sentimento de vergonha e a noção errada de que “não há nada a fazer” leva a que muitos doentes não procurem ajuda médica, tal como refere Paulo Temido: “a maioria dos doentes não procura avaliação médica por provável estigma social”. No entanto, recorrer a um médico, para que este avalie a situação e indique o tratamento mais adequado, é o primeiro passo para recuperar qualidade de vida. 


6. É crucial consultar um médico se tiver sintomas

Procurar ajuda médica é fundamental, como explica também Miguel Ramos ao defender a “importância uma comunicação entre médico e doente para garantir um prognóstico favorável no tratamento da BH”. Além de permitir realizar o diagnóstico e iniciar o tratamento mais adequado, a observação por parte do médico é crucial para excluir patologias mais graves, pois “embora os sintomas de bexiga hiperativa sejam a grande maioria das vezes uma condição benigna, podem estar associados a patologias mais graves nomeadamente quando associados a hematúria (sangue na urina)”. 


7. A bexiga hiperativa é considerada um problema de saúde subdiagnosticado

Na opinião de Miguel Ramos, uma das razões para a BH ser subdiagnosticada prende-se com o facto de ser uma condição subvalorizada, tanto por doentes como por médicos, descurando do impacto que pode ter na qualidade de vida do doente. Para contornar esta realidade, Miguel Ramos considera que seria importante “a divulgação desses dados pelos clínicos e a realização de estudos que abordem este tema em Portugal”.

A mesma ideia é defendida pelo presidente da APNUG: “muitos profissionais de saúde não estão ainda suficientemente sensibilizados para a importância e frequência desta doença, pelo que é uma condição subdiagnosticada com um atraso de 6-9 anos no diagnóstico e tratamento”. Neste sentido, Paulo Temido considera que é fundamental “alertar consciências para este problema, não só trazendo-o à discussão pública, mas também explicando que não é necessário sofrer diariamente com esta doença; pelo contrário, há tratamentos eficazes que podem devolver qualidade de vida à maioria dos doentes que dela sofrem”.


8. O verão pode agravar a incontinência urinária

Por ser uma altura mais propícia a momentos no exterior, convívios e viagens longas, o verão é uma época que pode ter maior impacto na vida das pessoas que sofrem de incontinência urinária. Por um lado, espaços ao ar livre tais como praias e jardins nem sempre dispõem de casas de banho ou o seu acesso pode não ser fácil; por outro, os eventos sociais implicam proximidade física de outras pessoas. Estes são apenas alguns exemplos de situações que geram ansiedade e desconforto na pessoa com incontinência urinária. 

No entanto, há algumas estratégias que o doente pode adotar no sentido de prevenir os sintomas da BH, que passam por exemplo por hábitos saudáveis e evitar determinadas substâncias que se sabe que provocam um efeito irritativo na bexiga, contribuindo para o agravamento da sintomatologia. Com efeito, Miguel Ramos deixa alguns conselhos para esta altura do ano, nomeadamente evitar bebidas alcoólicas, gaseificadas e com cafeína, evitar alimentos obstipantes, ter uma alimentação saudável rica em fibras, não fumar e controlar o peso com a ajuda de exercício físico. 
Outras duas alternativas passam por programas de treino vesical, “embora demorem algum tempo a mostrar resultados”, e medicamentos que podem ajudar a controlar o problema, aponta o vice-presidente da APU.


9. A bexiga hiperativa tem tratamento

Usando as palavras do presidente da APNUG, “esconder o problema não é um bom remédio”, sobretudo porque atualmente existem várias opções de tratamento eficazes para a maioria dos casos. 
Paulo Temido explica que “o tratamento da BH é multimodal e visa reduzir os sintomas debilitantes, de forma a melhorar a qualidade de vida”, indicando três linhas terapêuticas: educacional/comportamental, farmacológica e interventiva. A mesma constatação é feita por Miguel Ramos que, a nível educacional e comportamental, refere alterações ao estilo de vida, que passam por manter o peso ideal (com alimentação saudável e prática de exercício físico) e não fumar, bem como o treino vesical e a reabilitação do pavimento pélvico. Também a regulação intestinal e a otimização de outras comorbilidades fazem parte das mudanças comportamentais, como aponta Paulo Temido. 
No que concerne ao tratamento através de fármacos, o presidente da APNUG considera que “a terapia farmacológica potencia os resultados das medidas conservadoras”, adiantando que “hoje em dia existem fármacos eficazes com adequada segurança e tolerabilidade”. Miguel Ramos é da mesma opinião admitindo que os medicamentos orais podem ser opções eficazes. 
Relativamente às opções do foro interventivo para tratar a BH, Paulo Temido e Miguel Ramos referem as terapias minimamente invasivas, como injeções intravesicais e neuromodulação sagrada, que podem fazer sentido em casos resistentes à medicação oral, ou opções cirúrgicas, nomeadamente em “situações particulares em que a BH está associada a obstrução infravesical”, explica o urologista do CHUP, Miguel Ramos.
Paulo Temido remata esclarecendo que o recurso a estas três linhas de tratamento “é habitualmente sequencial mas pode ser cumulativo”.


1. https://www.nabexigamandoeu.pt/sobre-a-bexiga-hiperativa/o-que-e-a-bexiga-hiperativa/

2. https://www.nabexigamandoeu.pt/sobre-a-bexiga-hiperativa/incontinencia-urinaria/

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